O fluxo de refugiados põe em xeque, mais uma vez, o projeto europeu de integração. Há pouco, as estruturas do bloco se abalaram com a crise econômica. Atenuada a fase aguda da adversidade, porém, novo problema chega às fronteiras. Milhões de pessoas arriscam a vida e atravessam o Atlântico em fuga desesperada rumo ao Velho Continente. Em 2016, 130 mil embarcaram na aventura e, ao chegar, encontraram as portas fechadas. Sem uma política externa comum, falta uma voz única que fale em nome do bloco. E, regidas por interesses nacionais, as vozes não se entendem.
Na babel em que se transformou o outrora uníssono coro, soluções nacionais assustam pelo retrocesso. Cercas se erguem, barreiras impedem o ir e vir, violência e condições subumanas são impostas aos que conseguem burlar a vigilância e entrar em território outrora marcado pela livre circulação de adultos e crianças. Mesmo a Dinamarca e a Suécia, reconhecidas pela liberalidade em relação aos imigrantes, adotaram políticas restritivas e discurso de intolerância.
A Turquia, cujos campos de refugiados abrigam 2,7 milhões de sírios, aparece como solução para conter o trânsito dos desesperados que tentam chegar à União Europeia (UE) pelo território turco. A proposta de Bruxelas e Ancara prevê, por exemplo, a deportação dos imigrantes que chegam à Grécia pela Turquia sem a concessão de asilo. Trata-se de troca: para cada sírio ilegal mandado de volta à Turquia, a UE receberá um legal que se encontra em território turco. Ancara terá ajuda financeira de pelo menos 3 bilhões de euros.
Com o avanço das negociações, o presidente Erdogan tira proveito da situação vantajosa de que usufrui. De um lado, acelera com desenvoltura a escalada autoritária do governo. Além dos ataques à oposição e o desrespeito aos direitos humanos, promove violento cerco à imprensa. Pôs na prisão dezenas de jornalistas e interveio nos órgãos da mídia contrários a ele. No começo deste mês, assumiu o controle do Zaman, o último grande periódico que resistia a se alinhar ao poder de plantão.
De outro lado, Erdogan pressiona para concretizar com rapidez velho pleito — integrar o país ao bloco europeu. As medidas antidemocráticas que vem adotando funcionariam como sinal vermelho. Mas, diante da crise dos refugiados, a UE dá tom cauteloso às críticas. É lamentável. A pátria do Iluminismo e dos direitos humanos não é capaz de encontrar resposta comum para a delicada questão que enfrenta — segundo a ONU, a maior crise humanitária depois da Segunda Guerra. Tornou-se refém de Ancara.